Todos Um em Cristo Jesus por meio do Batismo — Gl. 3:26–29 (A. Andrew Das)

Campus Teológico
11 min readJul 17, 2024

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Dr. A. Andrew Das foi listado entre os vinte e cinco principais teóricos paulinos do século passado no livro Perspectives Old and New on Paul. Ele representou uma das escolas de estudos paulinos em Perspectivas sobre Paulo: cinco pontos de vista (Thomas Nelson, 2021). Ele é autor de vários livros com editoras líderes em estudos bíblicos: Solving the Romans Debate (Fortress, 2007), Paul and the Jews (Hendrickson, 2003), Paul, the Law, and the Covenant (Hendrickson, 2001), Galatians (808 páginas, Concordia Academic, 2014), e Paul and the Stories of Israel: Grand Thematic Narratives in Galatians (Fortress, 2016).

Gálatas 3:28

Não há judeu ou grego, não há escravo ou livre, não há macho ou fêmea, pois vocês todos são um em Cristo Jesus. Paulo anuncia os benefícios do batismo em 3:28 com a proclamação da unidade da humanidade em Cristo. Não há mais judeu ou grego, escravo ou livre, macho e fêmea. O mundo greco-romano era intensamente hierárquico. Os antigos celebravam e cobiçavam a honra associada com o status superior, mesmo que esse status fosse obtido, em grande parte, por nascimento. Na antiguidade, Diógenes Laércio atribuiu aos filósofos Sócrates e Tales esse agradecimento: “Existem três bênçãos pelas quais ele era grato a Fortuna: ‘primeiro, que eu nasci um ser humano, e não um dos brutos; a seguir, que eu nasci um homem e não uma mulher; e em terceiro lugar, um grego e não um bárbaro’” (Vit. Phil. [Thales] 1.33; Hicks, LCL]). Plutarco atribui a Platão uma linguagem similar. Até mesmo os judeus celebravam o seu status em uma classificação tripla somente sua. De acordo com o Talmude babilônico do quinto século, o rabi Judah disse: “[Um homem judeu] deve recitar três bênçãos todos os dias: ‘Louvado sejas, Ó Senhor, que não me fez um gentio’, e ‘Louvado sejas, Ó Senhor, que não me fez um bárbaro’ e ‘Louvado sejas, Ó Senhor, que não me fez uma mulher’” (b. Menaḥ. 43b, citing t. Ber. 6.18a; trans. J. Neusner). Na oração matinal judaica: “Bendito sejas tu, Ó Senhor nosso Deis, Rei do Universo, que não me fez um gentio…, que não me fez um escravo. Bendito sejas tu…, que não fez de mim uma mulher.”¹

O homem judeu livre encontrou a justificativa para essa distinção na Lei de Moisés. A Lei distingue o macho, que poderia observar os comandos de Deus completamente durante todo o mês, da mulher, que não poderia (Lv 15:19). O historiador judeu Josefo foi mais direto: “A mulher, diz a Lei, é inferior ao homem em todas as coisas” (Ag. Ap. 2.24 § 201; Thackeray, LCL). Da mesma forma, o escravo ou o gentio incircunciso estavam limitados em sua habilidade de observar Lei. A distinção de judeu e grego, escravo e livre, e macho e fêmea era um produto da aliança da circuncisão em Gênesis 17:9–14. A circuncisão reforçava a barreira entre o judeu e o grego, a distinção entre homem e mulher, e a liberdade para se observar a Lei completamente. Paulo anuncia que a era de tais divisões terminou! Essas distinções não mais impedem um indivíduo de ser um membro completo do povo de Deus. Os privilégios “em Cristo” não são classificados de forma hierárquica. Nenhum crente cristão é de segunda classe. “Batismo em Cristo proporciona a unidade que não pode ser obtida na comunidade circuncidada.”²

A frase final de 3:28 de que forma as relações de judeu/grego, escravo/livre e macho/fêmea estão abolidas: “pois [γάρ] todos vocês são um[a pessoa] em Cristo”. Paulo utiliza a forma masculina de “um” (εἷς) ao invés do neutro (ἕν). Crentes batizados são incorporados em unidade com a pessoa do próprio Cristo. Em Cristo são uma nova humanidade, uma nova criação (6:15; veja também Rm 5:12–21; 1Co 15). Paulo finalmente resolve o problema central de Gálatas 3. Ele finalmente explica como os crentes experimentam os benefícios da filiação de Abraão. O beneficiário das promessas de Abraão é somente Cristo (Gl 3:15–17). Os batizados são “um” nele e com Cristo e, portanto, experimentam as promessas e status de filhos de Deus (3:28).

Muitos intérpretes leram 3:28 como se Paulo tivesse escrito “todos vocês são iguais em Cristo”. Muitos consideraram 3:28 como a “Magna Carta” de uma nova humanidade, em que as diferenças entre homens e mulheres, escravos e livres, judeus e gregos foram abolidas. Paulo, o pensador apocalíptico, vislumbra uma nova era em Cristo e seu Espírito que invade e abole as distinções do “presente século mal” (1:4). Mesmo assim, a mudança das eras ainda não se realizou completamente. Uma tensão do “já-e-ainda-não” caracteriza o pensamento de Paulo. Onde exatamente a ênfase deve ser colocada? No lado “já” desta equação ou no “ainda não”? Em 3:28 o apóstolo está enfatizando o estado de coisas que existem agora em Cristo. Assim, o versículo fecha “vocês todos são um em Cristo” — tempo presente. Os crentes batizados já estão desfrutando desses benefícios.

Paulo oferece pistas dentro da carta e em outros lugares de seus escritos de implicações sociais dos contrastes em 3:28. No que diz respeito a distinção judeu-grego, Paulo não vislumbra os judeus abandonando os seus ritos ancestrais. Paulo não deixou de ser um judeu (Gl 2:15; Fp 3:3–8). Quando Paulo questiona em Rm 3:1 se há alguma vantagem em ser um judeu, ele responde em Rm 3:2 que na realidade existem vantagens. Ele desenvolve sua lógica com mais detalhes em Romanos 9–11. Na metáfora de Paulo em Romanos 11, os gentios, como estrangeiros, são enxertados na oliveira que representa a herança única de Israel. Da mesma forma em Gálatas, Paulo se refere aos crentes gentios como membros da Jerusalém celestial (4:21–31). A diferença entre judeus e gentios não é apagada. Gentios se juntam ao povo de Deus como gentios (veja, e.g., 2:3, 11–14), e mesmo assim eles devem ser incorporados a herança e bênçãos de Abraão.

Nem mesmo Paulo aboliu as distinções entre escravos e mestres. Embora, a presença da fé tenha modificado radicalmente o relacionamento entre Onésimo e Filemon, Paulo não exigiu que Filemon libertasse Onésimo. Escravos, caso não obtivessem a sua liberdade, deveriam permanecer como eles se encontravam (1 Co 7:17). Ao mesmo tempo, Paulo é claro que o relacionamento entre mestres e escravos foi radicalmente transformado pela presença de Cristo. Quando tanto mestre e o escravo são cristãos, ambos são queridos irmãos dentro da família de Deus. Em Gl 4:1–7, Paulo descreve o conceito da escravidão e liberdade afim de identificar se uma pessoa está desfrutando os benefícios de Cristo e seu Espírito, ou se uma pessoa ainda permanece debaixo dos poderes opressivos da Lei, pecado e deste presente século mal. Paulo exorta os gálatas a utilizarem a sua liberdade “com amor”, afim de se tornarem escravos uns dos outros (5:13).

Paulo quebra o padrão para o terceiro par “Não há judeu ou grego, não há escravo ou livre, não há macho ou fêmea”. “Macho e fêmea” (ἄρσεν καὶ θῆλυ) não é a forma normal de identificar homens e mulheres. Essas palavras parecem focar na distinção de gênero. Alguns tem argumentado que Paulo vislumbra uma completa abolição de tais distinções. Certamente a diferença biológica entre homens e mulheres não é completamente abolida. O Gênesis em grego da Septuaginta nos fornece uma dica relevante: Deus criou a humanidade “macho e fêmea” (ἄρσεν καὶ θῆλυ) em Gn 1:27, antes da queda no pecado. Uma alusão a descrição da criação em Gênesis se torna mais provável ao levarmos em consideração a menção sobre a chegada da “nova criação” em 6:14–15. Em Mc 10:6–8 (|| Mt 19:4–5; cf. Mc 12:25) Jesus interpreta o “macho e fêmea” de Gênesis (Gn 1:27; veja também Gn 2:24) em termos de casamento. Em Mt 22:30 Jesus explica após a ressurreição, a relação entre homens e mulheres não será a mesma. Embora para Paulo o casamento claramente seja opcional em 1 Coríntios 7, o casamente permanece um estado piedoso. Paulo não está vislumbrando um abandono dos papeis de homens e mulheres, como se os crentes não pudesse mais ser maridos e esposas. O restante do corpus paulino não sustenta uma abolição das diferenças criadas entre homens e mulheres.

Brigitte Kahl, uma intérprete recente, afirmou que Paulo, em sua carta aos Gálatas, está combatendo qualquer hierarquia de gênero. Paulo se baseia na linguagem do corpo masculino, como “circuncisão” (ἀκροβυστία, 2:7; 5:6; 6:15) e “semente” (σπέρμα, 3:16, 19, 29) e, por fim, declara que já não há mais “macho e fêmea” (3:28). Ele descreve a si mesmo como uma mãe dando a luz (4:19). Entretanto, a observação de Kahl não demonstra que Paulo estava particularmente preocupado com os papeis que dizem respeito ao homem e a mulher. A principal ênfase do apóstolo enfatiza a circuncisão e a divisão entre judeus/gentios, a questão central da carta. A imagem de Paulo como uma mãe dando a luz abre o caminho para a discussão sobre Sara e Hagar no parágrafo seguinte, onde Paulo não faz nenhuma observação em particular sobre papeis de gênero. Ao invés disso, ele contrasta duas Jerusaléns, uma debaixo da Lei e escravidão e a outra livre (Gl 4:21–31).

Outros intérpretes foram para o extremo oposto e limitaram as aplicações das palavras de Paulo sobre “macho e fêmea” a justificação ou a salvação em Cristo. Eles negam qualquer implicação social de 3:28. Entretanto, Paulo posiciona um novo par de opostos em 5:6, que lembra o leitor de 3:28: “nem a circuncisão, nem a incircuncisão”. O apóstolo vislumbra poderosas implicações sociais para aqueles que estão “em Cristo” (3:28). Este par de opostos é abandonado em favor da “fé que se expressa por meio do amor” (5:6). Em outras palavras, a divisão de 3:28 e 5:26 é superada através de uma expressão amorosa de fé (5:6). Em 6:15, o apóstolo retorna ao “nem a circuncisão, nem a incircuncisão” como substituída pela “nova criação”. No meio destas duas declarações que contrastam circuncisão/incircuncisão (5:6; 6:15), tem uma seção intermediária, 5:13–6:10, onde Paulo desenvolve mais profundamente as implicações sociais da “nova criação”. Nesta seção, Paulo vislumbra pessoas cheias do Espírito de Deus que expressam os frutos do Espírito com um comportamento parecido com o de Cristo de amor, alegria, paz, paciência, bondade e mais. Paulo não está vislumbrando uma revolução na sociedade ‘vinda de fora’. Ele imagina algo ainda mais poderoso. Ele está vislumbrando uma transformação de pessoas caídas ‘vinda de dentro’, e essa transformação leva qualquer relacionamento social a uma nova direção semelhante a Cristo. A relação senhor-escravo pode não ser abolida, mas a forma como o senhor e o escravo se relacionam será transformada pela presença de Cristo e do fruto do Espírito em ação. Da mesma forma, os papéis de homens e mulheres podem não ser abolidos, mas o relacionamento de marido e mulher será caracterizado pela presença de Cristo e do fruto altruísta do Espírito em ação. Tal comportamento semelhante a Cristo é muito mais revolucionário do que essa presente era pode imaginar.

Para Paulo, macho e fêmea são uma pessoa em Jesus Cristo. Eles não perdem as suas identidades individuais, mas compartilham da identidade e personalidade de Cristo. Como indivíduos, o crente leva Cristo ao mundo. Esta é também uma identidade corporativa. Paulo não tolera o individualismo isolado. Todos os crentes, independentemente de etnia, gênero ou classe social, são uma pessoa em Jesus Cristo. “Vocês são todos” (3:28) contrasta com as distinções na primeira parte do versículo. Todos os crentes compartilham de uma nova identidade enquanto juntos levam Cristo ao mundo. Paulo continuará essa linha de pensamento em Gálatas 5 e 6, onde ele retorna aos pares de opostos que foram eliminados em Cristo. Abolir a velha divisão de circuncisão e incircuncisão é a nova realidade em Cristo e seu Espírito. Os cristãos são simplesmente um tipo diferente de pessoas.

Gálatas 3:29

E se você é de Cristo, então você é a semente de Abraão, herdeiro de acordo com a promessa. Paulo unifica temas centrais do capítulo. Embora a frase “filhos de Abraão” corresponda com o raciocínio em 3:7 e em 4:1–7, em 3:29 o apóstolo está retornando a “semente de Abraão” (τοῦ Ἀβραὰμ σπέρμα). Em 3:16 Paulo introduz o tema da “semente” apenas para, surpreendentemente, negar que o Israel corporativo seja a semente de Abraão em favor de uma única pessoa, Jesus Cristo. A afiada polêmica sobre a negação de Paulo em 3:16 sugere que os rivais provavelmente introduziram a frase “semente de Abraão” aos gálatas. Da mesma forma, em 3:7 Paulo responde a uma pergunta que ele mesmo não havia feito a respeito da identidade dos verdadeiros filhos de Abraão. Este verso também parece ser uma resposta para o questionamento de outra pessoa. Os rivais talvez estivessem apontando para o AT na Septuaginta, onde “semente de Abraão” funciona como um sinônimo para o povo de Israel (2 Cr 20:7; Sl 104:6 [105:6]; Is 41:8; cf. Rm 11:1; 2 Co 11:22). Os rivais estavam encorajando os gálatas a aceitarem a circuncisão e, portanto, a se tornarem membros da “semente de Abraão” e seus filhos.

Paulo afirma que a promessa era para Abraão e para sua descendência, Cristo (Gl 3:15–18). Os crentes batizados são “um[a pessoa]” em Cristo (3:28). Portanto, Paulo declara que aqueles que são “de Cristo” são a semente corporativa de Abraão e os herdeiros da promessa (3:29). Estar em Cristo, a única Semente e herdeiro de Abraão (3:16), é desfrutar de todos os privilégios de descendência abraâmica.

Assim, até mesmo gentios podem desfrutar destes privilégios por meio do batismo e fé. Paulo enfatiza a inclusão dos gálatas com um enfático pronome na segunda pessoa (ὑμεῖς): “Se você é de Cristo”. A sentença condiciona os gálatas a reconhecerem por si mesmos a realidade do protasis (εἰ, “se…”). Deus entrou em um relacionamento especial com o seu povo Israel. Em Ex 19:5? “vocês serão o meu tesouro pessoal dentre todas as nações” (cf. Dt 29:12–13 [MT 29:11–12]). Em Dt 27:9: “Agora você se tornou o povo do Senhor, o seu Deus.” O profeta Jeremias esperava por uma nova aliança: “Naquele tempo”, diz o Senhor, “serei o Deus de todas as famílias de Israel, e eles serão o meu povo.” (Jr 31:1). A literatura judaica regularmente exalta o relacionamento especila entre Deus e Israel (e.g. 1 En. 1:8; 1Q22 II.1: “Neste dia [vocês estão se tornando o po]vo de Deus, o seu Deus” [trad. de F. García Martínez]; 1Q34bis 3.II.5: “”Você escolheu um povo no período de seu favor” [trad. de F. García Martínez] 1QS IV.19–23; Jub. 1.22–25). O apóstolo deixa claro que esse relacionamento especial só é desfrutado por aqueles “de Cristo” (Gl 3:29)!

Não surpreendentemente, termos-chave de todo o capítulo se repetem neste momento climático, incluindo “Abraão” (veja 3:6–9) e a “promessa” abraâmica (veja 3:8). O enfático “de acordo com a promessa” implica em um contraste com a Lei de Moisés, outro aspecto central do capítulo. Paulo introduz a “herança” e Jesus Cristo como o primeiro e único herdeiro de Abraão em 3:15, 17 e 18 e retorna ao tema com “herdeiros” aqui. O herdeiro de Abraão é a “semente”, Jesus Cristo (3:16), e assim em 3:29 aqueles “de Cristo” são a “semente de Abraão” e “herdeiros” de acordo com a promessa. O “então” (ἄρα) no meio do versículo é uma conclusão não apenas para a sentença condicional de 3:29, mas também para o capítulo como um todo. A Lei é incapaz de mediar as bênçãos da herança abraâmica, que estão disponíveis somente em Cristo. Não há meio termo entre Paulo e seus rivais. Os gálatas “em Cristo Jesus” (3:28) são os verdadeiros descendentes de Abraão. Como co-herdeiros e filhos com Cristo, eles desfrutam da promessa. Paulo deixa claro em 3:14 que a promessa abraâmica envolve o poderoso Espírito. Deus enviou seu Espírito aos seus corações (4:6). Os gálatas não são apenas os descendentes de Abraão. Eles são filhos de Deus (3:26)!

NOTAS

  1. ^ S[imeon] Singer, trad., The Authorised Daily Prayer Book (15th ed.; London: Eyre and Spottiswoode, 1935), 5–6.
  2. ^ Troy W. Martin, “The Covenant of Circumcision (Genesis 17:9–14) and the Situational Antitheses in Galatians 3:28.Journal of Biblical Literature 122 (2003): 124.

Este trecho foi alterado do manuscrito original. Algumas notas de rodapé foram omitidas. Concordia Commentary: Galatians, páginas 383–390, 2014, Concordia Publishing House. Disponível em

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Tradução: Matheus Ramos de Avila

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