A Lógica do Sacerdócio de Jesus (Madison Pierce)

Por que a Precisão é Essencial para os Estudos sobre a Expiação e a Epístola aos Hebreus

Campus Teológico
7 min readAug 14, 2024

Dra. Madison Pierce (Ph.D., Durham University) tem como áreas de pesquisa o livro de Hebreus, o uso das Escrituras nas Escrituras e as Epístolas Católicas. Atua em serviço à Igreja por meio da pregação, leitura das Escrituras e assistência na distribuição da Ceia do Senhor. Teve sua tese doutorado publicada em 2020 Divine Discourse in the Epistle to the Hebrews. Além disso coeditou duas coleções de ensaios — Gospel Reading and Reception in Early Christian Literature (CUP, 2022) com Andrew J. Byers e Simon Gathercole, bem como Muted Voices of the New Testament (T&T Clark, 2017) com Katherine M. Hockey e Francis Watson. A Dra. Pierce é editora do Novo Testamento para Reviews of Biblical and Early Christian Studies, bem como coapresentadora do podcast The Two Cities.

A ressurreição é essencial para a obra salvadora de Cristo? A ascensão é essencial para a obra salvadora de Cristo?

Se você respondeu “Sim” para um ou ambas as questões, então você reconhece que há mais na história do que apenas a cruz. Mas como a morte de Cristo se relaciona com sua ressurreição e ascensão? E como podemos falar sobre o relacionamento de modo que dê o devido lugar à cruz sem permitir que a cruz obscureça a ressurreição e ascensão?

Essas importantes questões teológicas representam algumas das preocupações que estudiosos trabalham sobre a epístola aos Hebreus na última década. E isso não é coincidência. Em 2011, David M. Moffitt, agora responsável pelo Novo Testamento na University of St Andrews, publicou um estudo verdadeiramente inovador — Atonement and the Logic of the Resurrection in the Epistle to the Hebrews.¹ Nesse estudo, Moffitt argumentou que, enquanto a ressurreição não seja explicitamente mencionada em Hebreus, o foco no ministério sacerdotal de Jesus no tabernáculo celestial assume a ressurreição. Em outras palavras, sem a ressurreição, o argumento de Hebreus não pode funcionar.

No entanto, mesmo que o trabalho de Moffitt tenha mudado a trajetória dos estudos de Hebreus drasticamente, fora do trabalho sobre Hebreus, as implicações mais amplas do trabalho de Moffitt são subvalorizadas. As suas contribuições mais importantes, bem como a forma que seu trabalho foi recebido, pode ser considerado através de duas grandes afirmações que muitas obras posteriores abordam:²

  • Jesus se torna o Grande Sumo Sacerdote após sua ressurreição e serve no tabernáculo celestial.
  • A auto-oferta de Jesus deve ocorrer após sua ressurreição e não pode ser equiparada à sua morte na cruz.

JESUS SE TORNA O GRANDE SUMO SACERDOTE APÓS SUA RESSURREIÇÃO E SERVE NO TABERNÁCULO CELESTIAL.

Nas décadas de 1950 e 60, muitos estudiosos influentes propuseram que a obra sacerdotal de Jesus foi o tema central em Hebreus.³ Mas a maior parte desse trabalho se concentrou nos efeitos de seu sacerdócio, em vez de vários aspectos do tempo. O padrão predominante parece ser a ideia que Jesus foi um sacerdote em algum momento na Terra — talvez a partir do início de seu ministério ou talvez a partir do início de seu sofrimento e morte; no entanto, como Moffitt e outros notaram, isso cria uma tensão com Hebreus 8:4. Ali o autor diz: “Se [Jesus] estivesse na terra, ele não seria um sacerdote, pois já há sacerdotes que oferecem as ofertas prescritas pela lei.” O que ele está dizendo é: A Terra tem um sistema sacerdotal que tem vários requisitos para o que é oferecido, bem como para quem o oferece, então Jesus não é um sacerdote que serve na terra. Este ponto é agora amplamente aceito, mesmo por aqueles mais críticos ao Moffitt, mas alguns entre aqueles que aceitam que o ministério sacerdotal de Jesus é “celestial” e pós-ressurreição, ainda procuram categorizar sua morte na cruz como sua “oferta” sacerdotal. No entanto, isso nos leva à próxima afirmação.

A AUTO-OFERTA DE JESUS DEVE OCORRER APÓS SUA RESSURREIÇÃO E NÃO PODE SER EQUIPARADA À SUA MORTE NA CRUZ.

Essa afirmação está entre as mais controversas na obra do Moffitt. Alguns assumem que ele está dizendo que a cruz é de alguma forma sem importância para a obra expiatória de Cristo. Mas (acho) que resumi com precisão a dimensão da afirmação de Moffitt. Ele insiste que a oferta de Jesus seja concluída no tabernáculo celestial quando Jesus for ressuscitado e, portanto, qualificado para servir como sacerdote. No entanto, pode-se argumentar que ele parece pensar na morte e na oferta em sequência: “A morte de Jesus se mantem como o evento sine qua non para iniciar a nova aliança e na preparação de Jesus para seu ministério sumo-sacerdotal e para sua oferta de expiação.” E, como ele nota, no sistema sacrificial, “fazer uma oferta” não se refere exclusivamente a matar um animal. Em vez disso, fazer uma oferta implica apresentar o sangue do animal no altar, no lugar de adoração.

Nesse momento, devemos nos voltar para Levítico 16, um texto representativo sobre sacrifício. Essa é uma oferta especial que requer que o Sumo Sacerdote entre no Lugar Santíssimo, mas ele não entra no Lugar Santíssimo até depois que o animal seja morto. Na verdade, geralmente, o ofertante abate o animal.¹⁰ Seu sacrifício certamente não estará completo até que ele aplique o sangue no altar e seus arredores no Lugar Santíssimo (Lv 16:15–16). Como observado, em Hebreus, o autor apresenta uma visão de sacrifícios celestiais. De fato, a apresentação de adoração no tabernáculo celestial é coerente com vários retratos em outras literaturas judaicas contemporâneas.¹¹ Este é o espaço onde os anjos fazem suas ofertas em serviço a Deus e, após sua ressurreição, é aqui que Jesus fará sua oferta de si mesmo de uma vez por todas também (Hb 7:27; 9:12, 28; 10:10). Novamente, a maior questão que Moffitt levanta é: Se a oferta de Jesus não é completada até a aplicação do sangue, quando ela começa?

Insatisfeito com a conclusão de Moffitt sobre a relação entre a morte e a oferta de Jesus, em 2019, Bobby Jamieson ofereceu uma proposta que: “A morte de Jesus não é quando ou onde ele oferece a si próprio, mas é o que ele oferece.”¹² Ele baseia isso em um argumento sobre a relação entre sangue e morte tanto em Hebreus quanto em seus contemporâneos/predecessores interessados ​​em contextos de culto. O projeto de Jamieson, enquanto relativamente novo, amplamente concorda com Moffitt além deste ponto principal.

CONCLUSÃO

Para aqueles desconectados dos estudos sobre a epístola aos Hebreus, resumir as conclusões de uma monografia de mais de uma década pode parecer estranho; no entanto, é difícil identificar outro trabalho acadêmico, especialmente uma dissertação/tese publicada, que tenha sido tão prolífico quando o trabalho de David Moffitt. Isso complica uma abordagem única para a obra expiatória de Jesus no Novo Testamento e encoraja os intérpretes a pensar sobre o caráter judaico do texto de uma forma mais abrangente e consistente.

O que o trabalho de Moffitt faz é chamar os interpretes à precisão sobre como eles descrevem o sacrifício de Jesus, e esse trabalho não recebeu, mais amplamente na academia, a atenção que ele merece. Se os teólogos e outros estudiosos do Novo Testamento se engajarem com as conclusões e os métodos de Moffitt, todo o empreendimento da reflexão teológica será beneficiado.

NOTAS

  1. ^ Atonement and the Logic of Resurrection in the Epistle to the Hebrews, NovTSup 141 (Leiden: Brill, 2011).
  2. ^ A seção a seguir abordará apenas interações publicadas com Moffitt. Mas vale a pena notar que o engajamento com o trabalho de Moffitt nas reuniões anuais da ETS e da SBL tem sido consistente na última década.
  3. ^ Veja Craig R. Koester, “‘In Many and Various Ways’: Theological Interpretation of Hebrews in the Modern Period” (SBL Annual Meeting, Baltimore, MD, 2013).
  4. ^ Para um excelente resumo dessas visões e um resumo mais extenso de Moffitt sobre esse ponto, veja R. B. Jamieson, “When and Where Did Jesus Offer Himself? A Taxonomy of Recent Scholarship on Hebrews,” CurBR 15.3 (2017): 338–68; R. B. Jamieson, Jesus’ Death and Heavenly Offering in Hebrews, SNTSMS 172 (New York: Cambridge University Press, 2019), 23–35.
  5. ^ Mais precisamente, quem está qualificado para fazer ofertas na terra é abordado em Hebreus 7.
  6. ^ Michael Kibbe, “Is It Finished? When Did It Start? Hebrews, Priesthood, and Atonement in Biblical, Systematic, and Historical Perspective,” JTS 65.1 (2014): 52.
  7. ^ Por exemplo, Michael Kibbe diz que Moffitt se refere à morte de Jeus como “meramente preparatória” (“Is It Finished?,” 26); Jared Compton, de modo similar, responde ao seu trabalho dizendo, “Contudo, nem Hebreus nem o AT permitirão que a morte funcione simplesmente como preparação para a expiação.” (“Review of David M. Moffitt Atonement and the Logic,” TJ 36.1 [2015]: 134).
  8. ^ Moffitt, Atonement and the Logic, 285.
  9. ^ Veja, por exemplo, Moffitt, 292. Ele se baseia em estudos sobre a Bíblia hebraica. Afirmações semelhantes são feitas por Roy Gane, Cult and Character: Purification Offerings, Day of Atonement, and Theodicy (Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 2005), 60; Jacob Milgrom, Leviticus 1–16: A New Translation with Introduction and Commentary, 1st ed., AB 3 (New York: Doubleday, 1991), 579.
  10. ^ Veja, por exemplo, Milgrom, Leviticus 1–16, 579.
  11. ^ Até onde sei, a comparação mais abrangente da literatura judaica primitiva e dos Hebreus é encontrada em: Benjamin J. Ribbens, Levitical Sacrifice and Heavenly Cult in Hebrews, BZNW 222 (Berlin: Walter de Gruyter, 2016).
  12. ^ Jamieson, Jesus’ Death and Heavenly Offering in Hebrews, 128.

PIERCE, Madison. “The Logic of Jesus’s Priesthood”. DidaktikosJournal.com, Agosto/2022. Artigo publicado com autorização de Didaktikos Journal, disponível online em:

https://www.westernsem.edu/wp-content/uploads/2024/01/DID-6.1_Pierce-1.pdf

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Tradução: Rafael Sales

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